Um estudo realizado por investigadoras do ISPA e do Iscte salienta a forma como a perceção das relações trabalho-família se encontra relacionada com o envolvimento do pai nos cuidados aos filhos, salientando como os estilos parentais desempenham um papel crucial nesta dinâmica.
© 2021 Karolina Grabowska | Pexels
O equilíbrio entre as exigências profissionais e familiares é um dos principais desafios da parentalidade contemporânea. Segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), a participação dos homens na prestação de cuidados a crianças é muito menor em comparação as mulheres, sendo Portugal um dos países da União Europeia (UE), com maior disparidade de género a este nível. Deste modo, a tarefa de conciliar as atividades parentais e profissionais acaba por ser uma tarefa particularmente difícil para as mães, devido aos conflitos que podem emergir ao longo deste processo. Com uma percentagem muito grande de mulheres no mercado de trabalho (de acordo com a CIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, as mulheres representam 49.7% das pessoas empregadas), torna-se necessário o contributo do pai para esse equilíbrio. No entanto, os pais enfrentam maiores dificuldades, em comparação com as mães, em aceder a horários de trabalho flexíveis ou a políticas de emprego favoráveis à família, limitando a sua disponibilidade para a prestação diária de cuidados.
Centrando-se nas perspetivas e experiências dos pais, as investigadoras Eva Diniz (ISPA), Lígia Monteiro (CIS-Iscte) e Manuela Veríssimo (ISPA), exploraram como o conflito/ganhos nas relações trabalho-família têm impacto no seu envolvimento nos cuidados aos filhos, nos primeiros anos de vida, e como os seus estilos parentais desempenham um papel importante nesse processo. Esta questão é particularmente relevante em Portugal, visto que, de acordo com dados de 2019, 62% das crianças têm ambos os pais empregados a tempo inteiro, muitas vezes com horários de trabalho pouco flexíveis.
Segundo as autoras deste estudo, pais que percecionam mais ganhos na relação trabalho-família relataram um maior envolvimento nos cuidados diretos (por exemplo, dar banho à criança) e indiretos (por exemplo, comprar roupa para a criança), utilizando estilos parentais mais positivos, ou seja, através de afetos, e uma disciplina não coerciva e responsiva, estabelecendo limites claros nas interações com a criança. Por outro lado, os pais que percecionam mais conflito/stress relatam envolvimento nos cuidados diretos, porém, utilizam estilos parentais negativos, isto é, pouca afetividade, uma disciplina punitiva ou coerciva recorrente e um controlo rigoroso ou, pelo contrário, ausência de padrões claros de limites nas interações com a criança. De acordo com as investigadoras, experiências negativas no equilíbrio trabalho-família podem gerar falta de energia física e emocional, limitando a capacidade do pai para se envolver nas atividades de cuidados, impactando negativamente a qualidade das interações com os seus filhos. Em suma, os resultados evidenciam como as experiências positivas de conciliação entre as atividades profissionais e familiares são essenciais para alargar o envolvimento nas tarefas de cuidados às crianças e promover uma experiência parental positiva, enquanto experiências negativas no equilíbrio trabalho-família prejudicam a qualidade da parentalidade.
“Este estudo é importante, dado que se foca na perspetiva dos pais, considerando como os pais estão envolvidos na família, mas também a qualidade desse envolvimento. Por outro lado, considera não só o potencial stress/conflito, mas também os ganhos que podem estar associados com o desempenhar papéis dentro e fora do sistema familiar”, explicou Lígia Monteiro (CIS-Iscte).
De acordo com as autoras, quando o equilíbrio entre as exigências do trabalho e da família é percecionado como positivo, as atividades profissionais tornam-se mais fáceis devido às experiências, competências e oportunidades adquiridas em casa, ou vice-versa, sendo a relação enriquecedora. Em conclusão, compreender essas dinâmicas é essencial para desenvolver políticas e práticas que promovam estratégias para reduzir o conflito trabalho-família, estimulando e contribuindo para um maior envolvimento dos pais nos cuidados aos filhos.
Este texto foi escrito por Sercileyne Nascimento, estudante do Mestrado em Psicologia Comunitária, Proteção de Jovens e Crianças em Risco (Iscte) no âmbito do seu estágio curricular no CIS-Iscte.
Comments