Investigação explora a alteração das perceções da vida marinha, com impacto nos esforços de conservação
- Pedro Simão Mendes
- 7 de abr.
- 3 min de leitura
Um conjunto de estudos realizados no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) revelam como as perceções humanas acerca dos animais marinhos moldam as atitudes, emoções e até os esforços de conservação. Os resultados desta investigação, da autoria de Sandra Godinho e Margarida Garrido, foram publicados nas revistas Environmental Communication e Anthrozoös.

Nos últimos anos, as orcas têm dominado os títulos dos jornais devido às suas crescentes interações com barcos à vela ao largo das costas portuguesa e espanhola. Os relatos de orcas que embatem e danificam embarcações têm alimentado a cobertura sensacionalista dos media, enquadrando frequentemente os animais como ameaças. Sandra Godinho e Margarida Garrido, investigadoras do CIS-Iscte, analisaram a forma como esta imagem mediática molda a perceção que o público tem das orcas, e os resultados revelam uma mudança significativa.
As investigadoras analisaram mais de 400 notícias online divulgadas no período de 3 anos antes e 3 anos depois de 2020, ano em que os encontros com orcas começaram a aumentar, tendo descoberto que as descrições se têm vindo a tornar mais negativas e abstratas. Palavras como “ataque” surgem agora frequentemente, reforçando narrativas orientadas para o conflito. “Quando os meios de comunicação social apresentam as orcas como vilãs e não como criaturas complexas e inteligentes a responderem às alterações ambientais, podem moldar as atitudes do público de forma a alimentar a hostilidade e os apelos à retaliação”, afirma Sandra Godinho. O objetivo desta investigação foi medir vieses linguísticos na cobertura mediática, mas também explorar as representações sociais das orcas. Assim, num segundo estudo, a equipa de investigação entrevistou cerca de 350 pessoas para examinar as suas representações acerca das orcas. Participantes com conhecimento dos incidentes tinham mais probabilidade de descrever as orcas com termos relacionados com conflitos, tais como “perigosas”, “predadoras” ou “assassinas”, enquanto os com menos conhecimento tenderam a manter uma imagem mais positiva.
“A simplificação linguística do fenómeno, retratando as orcas como agressoras ou resumindo o fenómeno como um duelo entre humanos e orcas, parece contribuir para a difusão de representações sociais que favorecem comportamentos hostis, avessos à preservação da biodiversidade”, afirma Margarida Garrido.
De acordo com a investigadora, esta descoberta ilustra a complexidade das representações sociais, sublinhando a necessidade de uma cobertura mediática responsável sobre a vida selvagem para promover relações positivas entre humanos e animais.
Mas serão as orcas uma exceção, ou será que os humanos concetualizam outras espécies marinhas de forma semelhante?
Esta questão levou as investigadoras a um segundo conjunto de estudos, que aplicou modelos cognitivos bem estabelecidos, originalmente desenvolvidos para estudar estereótipos face a grupos de pessoas, a animais marinhos. Os resultados sugerem que a forma como categorizamos pessoas também se estende ao restante reino de animais marinhos.
“Os seres humanos classificam naturalmente os grupos sociais com base na sua sociabilidade (boas ou más intenções) e competência (capacidade para concretizar essas intenções)”, explica Sandra Godinho. “Pedimos aos participantes que aplicassem estas mesmas dimensões ao avaliarem os animais marinhos e analisámos a forma como essas classificações estavam associadas a diferentes emoções e comportamentos.” Os resultados mostraram que os golfinhos e as tartarugas marinhas eram vistos como calorosos e competentes, levando a emoções positivas e a um forte apoio à conservação. Em contraste, os tubarões e as orcas eram vistos como competentes, mas ameaçadores, o que pode desencadear medo e reações defensivas.
Estas perceções podem ter implicações para os esforços de conservação de diferentes animais. As investigadoras afirmam que, embora as orcas possam estar atualmente num ciclo negativo dos meios de comunicação social, os dados mais alargados sugerem que as interações entre humanos e animais selvagens são moldadas por processos cognitivos bem consolidados. A compreensão destes mecanismos pode ajudar responsáveis políticos e conservacionistas a desenvolver estratégias para alterar a perceção do público e incentivar a coexistência em vez do conflito. Considerando que os ambientes marinhos enfrentam um crescente impacto humano, estes estudos realçam a necessidade urgente de repensar a forma como se comunica sobre a vida selvagem. Apelando a abordagens interdisciplinares, Sandra Godinho afirma que
“se quisermos promover a conservação, temos de considerar não só a ciência sobre os próprios animais, mas também a psicologia das pessoas que interagem com eles”.