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É possível experienciar níveis elevados de bem-estar apesar de termos significativos desafios psicológicos?

Uma recente revisão sistemática conduzida por Eunice Magalhães do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) explorou a saúde mental a partir da relação entre bem-estar e psicopatologia. Os resultados sublinham a importância de considerar as dimensões positivas e negativas da saúde mental na investigação e na prática clínica.

© Cottonbro Studios | Pexels


Eunice Magalhães, autora do estudo, explica que, nas últimas duas décadas, a saúde mental tem sido conceptualizada como incluindo duas dimensões inter-relacionadas, mas distintas - psicopatologia e bem-estar. Esta abordagem de duplo fator contradiz uma visão tradicional da saúde mental como sendo unidimensional e envolvendo a simples ausência de psicopatologia.

“A investigação tem demonstrado que as pessoas podem ter resultados positivos em termos de saúde mental e reduzida psicopatologia, mas não é impossível obter níveis elevados de bem-estar e também de psicopatologia”, esclarece a investigadora.

Com o objetivo de sistematizar as evidências ancoradas nesta abordagem da saúde mental de duplo fator, Eunice Magalhães realizou a revisão de um total de 85 estudos empíricos, tendo como participantes crianças, adolescentes e adultos.


Como o modelo de duplo fator oferece uma compreensão mais abrangente da saúde mental, é possível classificar quatro perfis de saúde mental baseados na intersecção do bem-estar e da psicopatologia. Estes perfis foram claramente identificados na literatura revista: “Saúde Mental Positiva” (elevado bem-estar e baixa psicopatologia), “Sintomático mas com bem-estar” (elevado bem-estar e psicopatologia), “Vulnerável” (baixo bem-estar e psicopatologia) e “Problemático” (baixo bem-estar e alta psicopatologia). A maioria dos estudos analisados mostrou que o perfil “Saúde Mental Positiva” é o que apresenta maior prevalência, e os dados longitudinais sugerem que a maioria dos participantes (cerca de 50%-64%) tende a permanecer no mesmo perfil ao longo do tempo. Especificamente, os resultados sugerem que os indivíduos podem experienciar níveis elevados de bem-estar apesar de enfrentarem desafios psicológicos significativos, e também que as pessoas que não apresentam psicopatologia significativa não apresentam necessariamente uma saúde mental positiva. Esta constatação sublinha que as intervenções psicológicas devem ir além de uma perspetiva tradicional de redução dos sintomas.


No que diz respeito aos fatores associados a estes perfis de saúde mental, os estudos revistos neste artigo concentram-se principalmente em resultados relacionados com o contexto escolar, seguidos por relações de suporte, caraterísticas sociodemográficas, recursos psicológicos, atributos individuais, saúde física e eventos estressantes. Eunice Magalhães apela à necessidade de mais investigação que considere as variáveis individuais e englobe populações diversificadas, particularmente aquelas em risco devido a trauma ou violência.


As implicações desta revisão podem informar a prática clínica, mas também as políticas relacionadas com a promoção da saúde mental. Torna-se evidente a necessidade de uma mudança de foco da abordagem exclusiva da psicopatologia para a promoção do bem-estar, para que as intervenções possam ser mais eficazes na melhoria da saúde mental em geral. A autora defende o desenvolvimento de programas psicossociais que respondam às necessidades específicas de diferentes perfis de saúde mental, promovendo, em última análise, a resiliência e a adaptação positiva. “Reconhecendo a interação entre o bem-estar e a psicopatologia, podemos criar intervenções mais eficazes que apoiem as pessoas na obtenção de melhores resultados em termos de saúde mental”, conclui Eunice Magalhães.

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